sábado, abril 11, 2009


A Lutadora

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Lutar com palavras é a luta mais vã. Entretanto, lutamos mal rompe a manhã. São muitas, eu pouco. Algumas, tão fortes como o javali. Não me julgo louca. Se o fosse, teria o poder de encantá-las. Mas, lúcida e fria, apareço e tento apanhar algumas para meu sustento num dia de vida. Deixam-se enlaçar, tontas à carícia e súbito fogem e não há ameaça nem sevícia que as traga de novo ao centro da praça. Insisto, solerte. Busco persuadi-las. Ser-lhes-ei escrava de rara humildade. Guardarei sigilo de nosso comércio. Na voz, nenhum travo de zanga ou desgosto. Sem me ouvir, deslizam, perpassam levíssimas e viram-me o rosto. Lutar com palavras parece sem fruto. Não tem carne e sangue... Entretanto, luto!

Palavra, palavra (digo exasperada) se me desafias, aceito o combate. Quisera possuir-te neste descampado, sem roteiro de unha ou marca de dente nessa pele clara. Preferes o amor de uma posse impura e que venha o gozo da maior tortura. Luto corpo a corpo, luto todo o tempo, sem maior proveito que o da caça ao vento.

Não encontro vestes, não seguro formas, é fluido o inimigo que me dobra os músculos e ri-se das normas da boa peleja. Iludo-me as vezes, pressinto que a entrega se consumará. Já vejo palavras em coro submissa, esta me ofertando seu velho calor, outra sua glória feita de mistério, outra seu desdém, outra seu ciúme, e um sapiente amor me ensina a fruir de cada palavra a essência captada, o sutil queixume. Mas ai! É o instante de entreabrir os olhos: entre beijo e boca, tudo se evapora.

O ciclo do dia ora se consuma e o inútil duelo jamais se resolve. O teu rosto belo, ó palavra, esplende na curva da noite que toda me envolve. Tamanha paixão e nenhum pecúlio. Cerradas as portas, a luta prossegue nas ruas do sono.

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