segunda-feira, maio 31, 2010


O amor em todas as suas formas: Lenda de Psique e Cupido

2


Às vésperas do mês dos namorados, resolvi postar aqui algumas histórias de amor que, de alguma forma, me marcaram.

O interesse pelo amor de Psique e Cupido começou quando me apaixonei por essa escultura nos corredores do Louvre. Achei a obra de Antonio Canova, mestre do Neoclassicismo, de uma beleza singular e tocante. Tão expressiva e delicada!

Eis a história deles:

Psique

Beleza de Psique

Tinha um rei três filhas belíssimas. Mas, por mais encantadoras que fossem as duas mais velhas, era possível encontrar na linguagem humana elogios proporcionados ao seu mérito, ao passo que a menor era de perfeição tão rara, tão maravilhosa, que não havia termos que a exprimissem. Os habitantes do país, os forasteiros, enfim todos acorriam, atraídos pela reputação de semelhante prodígio; e depois de contemplarem tal beleza de que nada se aproximava, ficavam confusos de admiração, e, prosternando-se, a adoravam com religioso respeito, como se se tratasse da própria Vênus.

Em breve, espalhou-se a nova de que era a própria Vênus que vinha habitar a terra sob a aparência de simples mortal, e o prestígio da verdadeira deusa ficou abalado. Ninguém mais ia a Cnido, ninguém mais ia a Pafos, ninguém mais navegava para a risonha ilha de Cítera. Os antigos templos de Vênus estavam vazios, as cerimônias negligenciadas, os sacrifícios suspensos, e os seus altares solitários só apresentavam uma cinza fria no lugar do fogo onde antes ardiam incensos. Mas quando Psique passava, o povo, apinhado, tomando-a por Vênus, lhe apresentava grinaldas, atirava-lhe flores, dirigia-lhe votos e preces. De todas as partes do mundo vinham peregrinos oferecer-lhe vítimas.

Ciúme de Vênus

Vênus, que do alto do céu via tudo, não pôde refrear a indignação. "Como? Dizia ela. Eu, Vênus, a primeira alma da natureza, origem e germe de todos os elementos, eu que fecundo o universo inteiro, devo partilhar com uma simples mortal as honras devidas à minha posição suprema!

Deverá o meu nome, que é consagrado no céu, ser profanado na terra, terei eu de ver os meus altares descuidados por uma criatura destinada a morrer? Ah, a que assim usurpa os meus direitos vai arrepender-se da sua insolente beleza!"

Imediatamente chama o filho, o menino de asas, tão audaz, o qual, na sua perversidade, desafia a moral pública, arma-se de archotes e setas, cometendo com impunidade as maiores desordens e jamais fazendo o menor bem. Excita-o com as suas palavras, e diante dele dá vazão a todo o seu enorme despeito. "Meu filho, em nome da ternura que te une a mim, vinga tua mãe ultrajada; mas vinga-a plenamente. Só te peço uma coisa: faze que a jovem se inflame da mais violenta paixão pelo último dos homens, por um infeliz condenado pela sorte a não ter nem posição social, nem patrimônio, nem segurança de vida; enfim, por um ser de tal modo ignóbil que no mundo inteiro não se encontre outro igual!" Assim falando, beijava o filhinho amado.

O Oráculo de Apolo

Vênus, por sua vez, extravasava sua cólera, cujos efeitos já se faziam sentir, porque, enquanto as duas irmãs de Psique desposavam reis, a infeliz jovem, culpada de excesso de beleza, encontra por toda parte adoradores, mas não marido, e seu pai, desconfiado de que uma divindade qualquer obstaculasse o himeneu da filha, vai consultar o oráculo de Apolo que lhe ordena expor a filha num rochedo para um himeneu de morte. Seu marido não será um mortal: traz asas como as aves de rapina cuja crueldade ele possui, e escraviza os homens e os próprios deuses.

Sempre é necessário obedecer, quando um deus fala. Após vários dias consagrados ao pranto e à tristeza, prepara-se a pompa do fúnebre himeneu. O archote nupcial é representado por archotes cor de fuligem e cinza. Os cantos jubilosos de himeneu se transformam em uivos lúgubres, e a jovem noiva enxuga as lágrimas com o próprio véu de casamento.

Psique Raptada por Zéfiro

Uma vez terminado o cerimonial de morte, conduziram a infeliz Psique ao rochedo em que deveria aguardar o esposo. Era uma montanha alcantilada. Quando ali chegou, apagaram-se os archotes nupciais que haviam iluminado a festa fúnebre do triste himeneu, e cada um voltou para casa. Os pais de Psique, encerrados no palácio, recusaram-se a sair, condenando-se às trevas eternas. Tremendo de espanto, Psique afogava-se nas lágrimas no pico da montanha, quando de súbito o delicado sopro do Zéfiro, agitando amorosamente os ares, faz ondular dos dois lados a veste que a protegia, cujas dobras se enchem invisivelmente. Soerguida se, violência, Psique reconhece que um sopro tranqüilo a transporta suavemente.

Mais leves que as nuvens, os graciosos meninos alados se elevam docemente no ar e arrebatam Psique sem lhe perturbarem o sono tranqüilo. Daí a pouco Psique desliza por um declive insensível até um profundo vale situado abaixo dela, e vê-se sentada no meio de uma relva coalhada de flores.

Deposta sobre espessa e tenra relva que formava um fresco tapete de verdura, ela olha em volta de si e percebe uma fonte transparente como cristal, no meio de árvores altas e copadas. Perto das margens, ergue-se uma morada real não construída por mãos mortais senão mediante arte que só pode ser divina. Os muros estão recobertos de baixos-relevos de prata e os soalhos são de mosaico de pedras preciosas cortadas em mil pedacinhos e combinadas em variadas pinturas.

O Palácio de Psique

Comovida pelo encanto de tão lindo lugar, Psique cria ânimo a ponto de ultrapassar o limiar, e, cedendo à atração de tão grande número de maravilhas, lança cá e lá olhares de admiração. Mas o que ao mesmo tempo a impressiona é a solidão absoluta em que se encontra. Uma voz saída de um corpo invisível lhe fere, subitamente, os ouvidos: "Por que, soberana minha, vos admirais de tão grande opulência? Tudo quanto vedes é vosso. Entrai nestes aposentos, aguarda-vos um banho, para refazerdes as forças, e o banquete real que vos é destinado não se fará esperar. Nós, cuja voz estais ouvindo, estamos às vossas ordens, e executaremos atentamente as vossas ordens."

Psique viu realmente um repasto magnificamente preparado. Sentou-se, então, à mesa, e diante dela se sucediam os vinhos mais deliciosos, as iguarias mais incomuns, mas aparentemente trazidas por um sopro, pois não distinguia nenhum ser humano. Um delicioso concerto a alegrou, mas os cantores eram invisíveis. Admirada, e ao mesmo tempo, assustada, pensando no esposo que aguardava, cedeu, no entanto, à fadiga e adormeceu sem que ninguém lhe perturbasse o repouso. Quando desperta, ouve as mesmas vozes misteriosas que na véspera, e recebe os mesmos cuidados de seres que não consegue distinguir. Vários dias transcorrem sem que lhe seja dado ver alma viva. Se o esposo invisível a visitou foi com certeza quando estava adormecida, pois ela nada enxergou, e o amo do palácio em que está lhe é tão desconhecido como os criados que a servem.

A borboleta, símbolo da alma, esvoaça sobre a cabeça da jovem sentada num cabeço de relva; o seu aspecto ingênuo e algo espantado se explica pela presença de Cupido que, invisível para ela, lhe dá um beijo na testa.

No entanto, o esposo existia, pois embora ela o não visse, lhe ouvia a doce voz a preveni-la de um perigo que correria. "Psique, minha doce amiga, dizia a voz, minha companheira adorada, a sorte cruel te ameaça de um terrível perigo; tuas irmãs, já turbadas com a idéia da tua morte, procuram-te, e não tardarão em chegar a este rochedo. Não te comovas com os seus falsos queixumes, e não cedas aos perniciosos conselhos que elas te derem para levar-te a me ver. E acrescentou que a sacrílega curiosidade os separaria para sempre e a mergulharia num abismo de males. Psique agradeceu ao marido os conselhos. Aliás, o tom daquela voz era tão penetrante que se sentia atraída a ele por uma força desconhecida. Assim, prometeu-lhe que obedeceria.

As Irmãs de Psique

Entretanto, Psique, lembrando-se do oráculo de Apolo, tremia de espanto, pensando que, apesar da voz tão doce, fosse o esposo sem dúvida um horrível monstro, visto que o temiam homens e deuses. Estando a devanear, ouviu de súbito, ao longe, vozes de mulheres, de mistura com gemidos e soluços, e, pouco depois, escutando, reconheceu-as pelas de suas irmãs que a choravam. Comoveu-se, apesar de tudo, e, desejando tranqüilizar a família, pediu mentalmente ao invisível marido permissão para dispor de Zéfiro.

As duas irmãs foram então arrebatadas como o fora Psique e transportadas para o palácio. Após os primeiros abraços e beijos, Psique, com insistência de criança, mostrou-lhes os magníficos móveis, os deliciosos jardins, os terraços de onde se descortinavam horizontes sem fim. Tantas maravilhas só lograram aumentar a inveja nutrida pelas duas irmãs havia tempo, e elas a cobriram de perguntas embaraçadoras sobre o esposo que tanta riqueza lhe proporcionava. A pobre Psique, que ainda não o vira, não pôde satisfazer-lhes a indiscreta curiosidade. Todos os dias elas lhe pintavam o marido como horrível dragão repulsivo. A infeliz não resistiu.

A Gota de Azeite

Chegada a noite, espera que todos estejam dormindo na casa. Acende, então, a sua lâmpada, aproxima-se do leito e reconhece o filho de Vênus, perto de quem estão o arco, a aljava e as setas. Psique pega uma e fere levemente um dos dedos, inoculando, assim, em si própria e em elevada dose de amor ao próprio Cupido. Mas enquanto contempla com arrebatamento o deus que lhe é esposo, cai sobre o ombro de Cupido uma gota de azeite. A partir de então, já Psique não tem mais esposo, pois Cupido desaparece, deixando-a no seu palácio solitário.

Psique, desesperada, corre à doida pelos campos e se precipita a um rio de águas revoltas. Mas o rio não a quer, e as ondas a devolvem sã e salva à margem. O deus Pã, que lá se encontrava, lhe revela as impiedosas ordens que Cupido recebera de Vênus.

As irmãs de Psique, desejosas de saber se o conselho fora seguido, vão ao rochedo do qual Zéfiro as arrebatara. Quando o vento começa a soprar, julgam que é o mensageiro que vai conduzi-las ao pé da irmã e, entregandose-lhe sem desconfiança, tombam ao pé do rochedo onde foram encontradas no dia seguinte, mortas. Zéfiro, com efeito, não pôde receber ordens de Cupido, pois Cupido está doente, e, vigiado no leito, ouve as censuras de sua mãe ultrajada: "Que lindo pai de família não seríeis! Dizia-lhe Vênus. E eu, por minha vez, não tenho idade e dignidade para que me chamem de vovó?

Cólera de Vênus (Não desejo a ninguém uma sogra dessas! heheh)

Vênus manda procurar Psique por toda a terra, e, na sua cólera cheia de ciúme, pergunta a si própria que suplício lhe deve infligir. Não contente de mandar que a vergastem, quer impor-lhe trabalhos superiores às suas forças, e ordena-lhe que vá aos infernos pedir a Prosérpina uma caixa de beleza de que necessita para o seu atavio. Psique parte, certa de que nunca mais voltará; mas no caminho encontra uma velha torre que sabe falar e lhe ensina como deve proceder, recomendando-lhe bem, quando estiver de posse da caixa, que não ceda à tentação de uma curiosidade que já lhe foi funesta uma vez.

Esclarecida pela torre, Psique atravessa o rio das mortes na barca de Caronte, faz calar Cérbero atirando-lhe um bolo com mel e chega à presença de Prosérpina que lhe entrega a caixa de beleza exigida por Vênus. Quando volta à terra, Psique, sozinha, e de posse da caixa cujo conteúdo conhece, começa a refletir. Por que não há de servir à própria Psique essa beleza que o seu odioso tirano a mandou procurar no meio de mil perigos? E se roubasse uma partezinha, quem sabe se não conseguiria reconquistar o marido desaparecido? Após muita hesitação, a caixa cede finalmente ao esforço por ela feito, mas em vez de beleza o que sai é um vapor sonífero e Psique, desmaiada, tomba com a face voltada para o chão. Perto dela, todavia, está um amigo, o próprio Cupido, que, vigiado de perto no palácio de sua mãe, conseguiu, não obstante, escapar pela janela. Desperta Psique com a ponta de uma das suas setas e pede-lhe que vá à casa de sua mãe, que ele se incumbirá do resto.

As Núpcias de Psique

Cupido voa ao pé do trono de Júpiter que, enternecido pelas suas lágrimas, dá a imortalidade a Psique e convida todos os deuses para o banquete de núpcias.
Psique, admitida ao seio dos imortais, torna-se inseparável do marido.

__________________

Não é linda essa história? Fiquei ainda mais apaixonada pela obra depois que entendi o que estava por trás daquele momento de profundas emoções retratadas por Canova.

Se for ao Louvre, não deixe de ver!!!

2 comments:

Paulinha Galvao disse...

adoro essas histórias de deuses e mortais. São sempre tão comoventes.
Agora também entendo toda a beleza da obra.

p.s.: cupido está com a mão no peitinho de Psique?!

Maiara Marques disse...

Tinha que ser Paulinha! kkkkkkkkkkkk

Postar um comentário

A opinião de vocês é muito importante pra melhoria do nosso espacinho! Sugestões, críticas (construtivas), tudo é super bem vindo!!! Tá esperando o que?!? Comenta vai!!! ;***